CARTA ABERTA
ao Governo do Estado do Paraná
e à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná

Campanha Mais Defensoria, Mais Direitos redigi carta-aberta destinada a autoridades do estado expondo a atual condição da Defensoria Pública do Paraná. Veja o conteúdo a seguir:

A Campanha Mais Defensoria, Mais Direitos, organizada pela sociedade civil no marco dos 10 anos da lei de criação da Defensoria Pública do Estado do Paraná – celebrado dia 19 de maio de 2021- visa a ampliação do acesso à justiça e a direitos pela população paranaense.

A campanha resgata o movimento “Defensoria Já”, essencial para criação da defensoria no Paraná, para chamar atenção ao fato de que nosso Estado foi o penúltimo no país a criar o órgão, apesar da obrigação constitucional. Desde então, também pouco tem feito para que a instituição tenha condições estruturais e financeiras para atender adequadamente toda a população que dela necessita.

A Defensoria tem desempenhado sua missão nos casos individuais e coletivos em temas como saúde, família, infância, penal, fundiário, consumidor, sendo a instituição de justiça mais próxima da população e suas necessidades. Apesar disso, a Defensoria continua a ter baixíssimo orçamento, o que constitui limitação estrutural à sua atuação. Como resultado, 90% das comarcas do Estado não contam com defensoria:

Atualmente, somente as comarcas abaixo são atendidas pela Defensoria:

Veja-se agora mapa que mostra as comarcas com maior densidade demográfica de habitantes com salários de até 3 salários mínimos:

Poucas dessas comarcas contam com sedes da instituição, mesmo em locais de marcada vulnerabilidade socioeconômica, evidenciando a necessidade de expansão da defensoria no Paraná. Mesmo nos locais com sede do órgão, nem todos os temas são atendidos, devido à falta de estrutura e pessoal.

Na capital, um exemplo de área não atendida é o extenso bairro do Sítio Cercado, de grande demanda. Na região metropolitana de Curitiba, não há atendimento próprio, exceto no município de São José dos Pinhais. A região litorânea, por sua vez, conta com sede apenas em Guaratuba. No interior do estado, o cenário é bastante grave. Some-se a isso o aumento da demanda face à crise econômica agravada pela pandemia da COVID-19.

Afinal, menos de 60 dos 399 municípios existentes conta com presença de atendimento da Defensoria Pública. Para que a população de fato tenha acesso à justiça é necessário acelerar, e muito, esse ritmo. Se for mantido o ritmo atual, só haverá a cobertura mínima de todas as comarcas do Estado daqui a 79 anos. Isso seria só no ano de 2111!

Assim, o cenário é preocupante, sobretudo quando considerada a determinação constitucional presente no art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, trazido pela Emenda Constitucional 80/2014, que previa que até 2022 todas as unidades jurisdicionais deveriam contar com atendimento da Defensoria Pública. Hoje, já em 2022, esse horizonte continua longe de se concretizar no Paraná, o que deixa grande parte da população sem possibilidade de garantir seus direitos.

Atualmente, o Paraná conta com 108 defensores(as) públicos(as) e 255 servidores(as), número muito menor do que a demanda, que seria de 900 defensores(as) ainda em 2013, segundo planejamento da DPE-PR. Esse quadro é 613,9% menor que o de Promotores(as) de Justiça, o que evidencia a desigualdade entre as instituições do sistema de justiça.

Assim, temos apenas 1 defensor público para atender 91.314 habitantes com renda familiar de até 3 salários mínimos. Com isso, o Paraná é o Estado brasileiro com o menor número de Defensores Públicos por habitante, mesmo considerando apenas a população mais vulnerabilizada.

Porém, o Estado não tem buscado alterar este cenário. O atual concurso público oferta apenas 4 vagas de defensor público, apesar do déficit de mais de 800 vagas. Isto decorre diretamente da defasagem orçamentária do órgão. Observando o histórico orçamentário da Defensoria Pública do Estado do Paraná, é visível que o valor destinado pouco avançou nos últimos anos, apesar da forte inflação e do aumento de sua demanda:

Há também imensa disparidade em relação ao orçamento do órgão se comparado ao valor investido no Tribunal de Justiça, Ministério Público ou Assembleia Legislativa, o que comprova que, a despeito de sua importantíssima missão institucional e constitucional, a Defensoria Pública não tem sido devidamente apoiada pelo governo do Estado:

O Tribunal de Justiça tem, portanto, orçamento 30 vezes superior ao da defensoria (2,12 bi versus 72 mi). O Ministério Público, por sua vez, recebe verba cerca de 14 vezes superior ao da DPE. A questão que permanece é por que o Governo do Estado não valoriza também o órgão cuja missão institucional é garantir os direitos da população mais vulnerabilizada. Ainda sobre a questão orçamentária, inexiste uma vinculação do orçamento a ser destinado à DPE-PR, diferentemente do que ocorre em outros casos. Da proposta orçamentária da LDO de 2023 (PL 141/2022), que ainda deverá ser aprovada pela ALEP, 5% do orçamento é vinculado ao Poder Legislativo e Tribunal de Contas, 9,5% vinculado ao Poder Judiciário e 4,1% vinculado ao Ministério Público.

Garantir um percentual próprio da Defensoria pode ser um mecanismo para propiciar seu fortalecimento e ampliação enquanto política de Estado. Para o ano 2023, esta proposta estabelece para a Defensoria Pública do Paraná um montante de R$76.250.000,00 (setenta e seis milhões, duzentos e cinquenta mil reais) para o próximo ano. No entanto, ainda há um longo caminho a se trilhar.

Lembre-se que o Estado do Paraná apresenta o menor gasto por habitante do país no tocante à defensoria (R$ 5,73), valor este que não chega a ⅕ (um quinto) da média nacional (R$ 27,81). Mesmo no comparativo com Estados que instituíram a Defensoria de maneira tardia, como Santa Catarina (R$ 10,37) e Amapá (R$ 22,07), a diferença é gritante. Essa realidade, certamente, não é condizente com a robustez econômica do nosso Estado.

Enquanto mantém-se o déficit nos quadros da Defensoria e o baixíssimo orçamento, vê-se uma lógica invertida ao se financiar a advocacia dativa – via verbas do Fundo de Combate à Pobreza do Estado do Paraná – com pelo menos 78 milhões de reais em 2021, se contabilizados somente os pagamentos administrativos, ou seja, sem sequer incluir os pagamentos via Requisição de Pequeno Valor nos processos judiciais.

Portanto, o valor despendido somente nos pagamentos administrativos à advocacia dativa já é maior do que o orçamento total da Defensoria Pública do Paraná, o que reforça a necessidade de se repensar o modelo administrativo e orçamentário atualmente vigentes no Estado. Com isso, não se ignora o importante trabalho da advocacia dativa num cenário em que é o único meio de defesa de grande parcela da população. Contudo, isto reforça a urgente necessidade de priorização da defensoria e aumento do orçamento destinado ao órgão cuja missão essencial é garantir o acesso à justiça, de forma estruturada, fortalecida e perene.

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná também recomenda o fortalecimento da Defensoria, ante a alta demanda por atendimento jurídico aos presos e por visualizar maior eficiência e menor custo, se comparada à advocacia dativa, bem como para evitar superlotação do sistema carcerário devido ao encarceramento em massa. Vejamos trecho:

“Outra recomendação [do TCE] é a implantação de mecanismos de avaliação e monitoramento do custo e do desempenho operacional da Advocacia Dativa, a fim de elevar seusindicadores de eficácia operacional, avaliando sua atuação em termos de custo e benefício comparativamente à Defensoria Pública; e que a instituição institua mecanismos de avaliação e monitoramento de seu custo e desempenho operacional, a fim de elevar seus indicadores de eficácia operacional. Os técnicos [do TCE] também identificaram uma estrutura insuficiente da Defensoria Pública para atender à demanda por serviços de assistência jurídica aos presos. Em dezembro de 2017, havia 99 cargos de defensores públicos providos, número que representa somente 19% do efetivo ideal, de 526 defensores. Por isso, o relatório recomenda que o Poder Executivo e a Defensoria Pública estabeleçam uma metodologia comum para a aferição do quantitativo de defensores públicos necessários para a assistência jurídica da totalidade dos encarcerados do Estado, garantindo os meios para o provimento de seu quadro de pessoal.” (grifo nosso)

Diante de todo esse quadro, reivindicamos a mudança do modelo atual, em que o órgão recebe um valor ínfimo – inferior mesmo ao que é pago à advocacia dativa – e muito aquém do que recebem os demais órgãos do sistema de justiça, e em que houve estagnação na ampliação e fortalecimento da defensoria, com prejuízo à população paranaense.

Defendemos, portanto, que representantes dos órgãos estatais, legislativo e instituições do sistema de justiça, em conjunto com sociedade civil, unam-se com urgência para estabelecer medidas para:

ORÇAMENTO – Garantir prioridade orçamentária à Defensoria, com aumento orçamentário substancial no curto e médio prazo, bem como progressão definida;

PLANEJAMENTO EFETIVO – Construção de um Plano Estruturado de Ampliação, fortalecimento e capilarização da Defensoria Pública, com metas, prioridades e prazos concretos.

A população paranaense não pode mais esperar!
Campanha Mais Defensoria, Mais Direitos