É preciso fortalecer a Defensoria

Após 10 anos, Defensoria tem quadro funcional insuficiente, baixo orçamento e pouca cobertura.
Por Daisy Ribeiro – Leandro Gorsdorf

FONTE: https://www.plural.jor.br/artigos/e-preciso-fortalecer-a-defensoria/

Neste ano a Defensoria Pública do Paraná completou 10 anos de criação. Passada uma década, há ainda muito a avançar na garantia dos direitos da população mais vulnerável, devido a limitações na estrutura, orçamento, equipe e distribuição. Assim, foi recentemente criada a Campanha “Mais Defensoria, Mais Direitos”, iniciativa da sociedade civil que visa a ampliação desta instituição essencial para o acesso à justiça. 

A iniciativa é urgente: basta lembrar que somente 18 das 161 comarcas do Estado contam com Defensoria. Mesmo na capital, nem todas as áreas ou temas são atendidos, sendo que bairros significativos como o Sítio Cercado, por exemplo, estão descobertos. Quanto à região metropolitana, de todos os municípios, somente São José dos Pinhais conta com atendimento. A região litorânea, por sua vez, conta com Defensoria apenas para os residentes em Guaratuba. 

Já os núcleos especializados, de competência estadual em relevantes temas – como infância e juventude, conflitos fundiários coletivos, direitos humanos, política criminal ou direitos da mulher – realizam um trabalho extremamente importante e valorizado pela população, porém contam com equipes ainda muito reduzidas, o que limita sua atuação. 

Atualmente, o Paraná conta com 108 defensores(as) públicos(as) e 255 servidores(as) em atividade, número muito menor do que a demanda, que seria de 900 defensores(as) ainda em 2013, segundo planejamento da DPE-PR. Assim, temos apenas um defensor(a) público(a) para cerca de 106 mil habitantes, o que coloca o Paraná como o estado com maior déficit na proporção entre defensores por habitantes no Brasil.

Este cenário reflete a falta de valorização do órgão no orçamento estadual. A Defensoria recebe o menor orçamento anual dentre as instituições que compõem o sistema de justiça paranaense, o que implica em menor estrutura e pessoal. Para o ano de 2021, por exemplo, o orçamento estadual previsto para o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é da ordem de R$2,2 bilhões; ao Ministério Público a dotação é de R$992 milhões. Já a Defensoria Pública tem orçamento previsto de apenas R$72 milhões. 

Por trás desses números, há pessoas que urgentemente necessitam de atendimento. A ausência da Defensoria Pública perto das pessoas é a porta da Justiça que se fecha e que deixa grande parte da população sem possibilidade de garantia de seus direitos, pois não tem condições de recorrer à advocacia privada.

Assim, desenvolver uma campanha de fortalecimento da Defensoria Pública neste momento é também tornar públicas as situações de desigualdade crescente da sociedade paranaense, dos rincões do interior, das periferias das metrópoles – miséria e desigualdade acirradas em tempos de pandemia. Ao denunciar a baixa cobertura da Defensoria e insuficientes orçamento e quadro funcional, a Campanha também evidencia as desigualdades de garantia de um serviço público essencial gratuito aos indivíduos e grupos em situação de vulnerabilidade.

A Constituição Federal de 1988 já apontava para a instituição da Defensoria Pública como espaço primordial para o atendimento ao acesso à justiça, o que foi reforçado posteriormente pela Emenda Constitucional 80/2014, que determinou, pelo artigo 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a previsão que até 2022 todas as unidades jurisdicionais deveriam contar com atendimento da Defensoria Pública.

Apesar de o Judiciário não ser o único lugar de solução de problemas sociais, deve ser dada à população – seja de forma individual ou coletiva – a oportunidade de decisão de movimentar e promover ações judiciais para garantia de direitos. Mais ainda: o próprio fortalecimento da democracia vem conjuntamente com a possibilidade equitativa de aceder ao Sistema de Justiça, enfrentando a desigualdade ao acesso a partir de recortes de gênero, raça, etnia, classe, geracional e geográfico. O direito a acessar a justiça, não à toa, é reconhecido internacionalmente como um direito humano fundamental, pois é basilar para o acesso a todos os demais direitos.

Porém, garantir o direito de acessar à justiça não é fácil tarefa. O Paraná foi o penúltimo Estado a instituir uma Defensoria Pública e isto somente ocorreu após intensa mobilização da sociedade civil e apoiadores por meio da “Campanha Defensoria Já”. Mesmo após a promulgação da lei necessária, em 2011, foi somente através de constante pressão que se garantiu a realização do primeiro concurso para defensores e servidores e, posteriormente, a eventual nomeação dos aprovados e, assim, o início dos trabalhos. 

Diante desse cenário é que, passados 10 anos da lei de criação da Defensoria Pública do Estado do Paraná, novamente a sociedade civil retoma a mobilização, agora não mais pela criação e instalação, mas pelo fortalecimento e ampliação, frente à estagnação que marcou os últimos anos. 

Nesse sentido, diversos atores da sociedade civil, dentre eles comunidades e povos tradicionais, entidades de classe, sindicatos, associações de moradores, organizações não governamentais, entidades estudantis, movimentos sociais e universidades retomam aquele movimento da origem da Defensoria Pública, agora com o mote de Campanha “Mais Defensoria, Mais Direitos”. 

De um lado, a Campanha se propõe a difundir a importância e o papel da Defensoria Pública, ainda desconhecida por boa parte da população, que sequer sabe de seu funcionamento ou mesmo de que se trata de um direito seu. De outro, a Campanha busca pautar o Estado do Paraná para conferir maior atenção e orçamento à Defensoria Pública, permitindo assim sua expansão para chegar em todas as partes onde ela é tão necessária. 

Importante destacar que fortalecer a Defensoria envolve também robustecer transparência e participação popular nas decisões institucionais da Defensoria Pública sobre seu planejamento e as prioridades de atendimento e de expansão. Busca-se uma justiça desde abaixo, portanto, e que transforma positivamente a vida cotidiana da população.

Se tem algo que momentos de crise como o atual – de crise de saúde, social, econômica – nos ensinam é que viver em sociedade exige de nós fortalecer estratégias coletivas de proteção de cada pessoa, sobretudo as mais vulneráveis. Assim, neste marco dos primeiros 10 anos de Defensoria, afirmamos: é com mais direitos e cidadania que se poderá superar a crise que atravessamos. Mais Defensoria é mais direitos!