Em audiência pública, a Campanha Mais Defensoria, Mais Direitos destaca a necessidade do governo priorizar fortalecimento do órgão essencial para garantia do direito à justiça para a população.
Fonte: https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/com-escasso-orcamento-defensoria-publica-do-parana-apresenta-baixa-cobertura-territorial-e-equipe-reduzida/23727
O estado do Paraná necessita, com urgência, da estruturação de um plano de ampliação, fortalecimento e capilarização da Defensoria Pública do Estado, e garantia de previsão orçamentária para estas ações, destaca a Campanha Mais Defensoria, Mais Direitos, em audiência pública realizada nesta terça-feira (05), pela Campanha, Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná e Conselho Permanente de Direitos Humanos do Estado.
Previsto na Constituição Federal como um dos órgãos para efetivar o direito à justiça, e regulamentado no Paraná pela Lei Complementar Estadual 136/2011, a Defensoria Pública do Estado responde, atualmente, por uma baixa cobertura geográfica, orçamento desproporcional aos demais órgãos que compõem o sistema de justiça e equipe insuficiente para adequado atendimento à população paranaense.
Mesmo com dez anos da lei regulamentação de criação do órgão no estado, o atual quadro de defensores e servidores é semelhante aos anos iniciais da Defensoria: o Paraná conta com 108 defensoras(es) públicos e 255 servidores(as). “É um número próximo após a regulamentação. Trata-se de um cenário de estagnação. Os concursos que aconteceram [após 2001] foram basicamente para reposição dos que nem assumiram os cargos ou saíram para exercerem outras carreiras. A gente não conseguiu, de fato, expandir”, destaca o Sub-Defensor Público Geral, Bruno Muller Silva. Com a atual corpo funcional o Paraná responde pela pior proporção do país entre o número de defensores e população total: para cada defensor(a) há uma população de 106 mil habitantes. O Ministério da Justiça prevê que o ideal é um defensor para cada grupo de 15 mil pessoas em situação de vulnerabilidade.
Frágil pilar de estruturação do trabalho do órgão, o baixo número de defensores público no Paraná já era reconhecido pela própria Defensoria em 2013. Naquele ano, segundo planejamento do próprio órgão, seria necessário um quadro de 900 defensores para adequada cobertura à população.
Em carta direcionada à casa legislativa A Campanha Mais Defensoria destaca que a ampliação do atual quadro não demanda criação de novos cargos visto que a Lei complementar Estadual 136/2011 já determinou a criação de 582 cargos, ainda não ocupados. O sub-defensor relata ainda que houve aumento em 47% dos atendimentos realizados em 2021, em comparação ao ano de 2020.
Com aumento de demanda em razão da piora dos índices sociais e aumento da violação dos direitos humanos nos últimos anos, a corpo técnico e jurídico vivem um contexto de sobrecarga de trabalho. O concurso público a ser realizado em 2022 prevê abertura de apenas quatros vagas para defensor público.
*Assista a audiência.
Desproporcionalidade orçamentária
Outro componente que sofre estagnação é o orçamento dirigido ao órgão. Mesmo com forte inflação e aumento de demanda de atendimento, o orçamento sofreu poucos incrementos nos últimos anos. Para 2022 a Lei de Orçamento Anual reservou pouco mais de R$ 71 milhões para o órgão, valores próximos aos últimos dois anos. Ao posicionar ao lado de demais órgãos que compõem o sistema de justiça é possível ver a desproporcionalidade da destinação dos recursos públicos. O Tribunal de Justiça recebeu em 2021cerca de R$2,1 bilhões, orçamento 30 vezes maior do que da Defensoria. Já o Ministério Público teve orçamento de R$ 994 milhões, valor superior em 14 vezes ao orçamento da DPE. Mesmo o orçamento destinado para advogados nomeados por juiz para prestar assessoria a locais sem cobertura ou cobertura parcial da Defensoria acumula um orçamento de R$ 78 milhões em 2021, valor superior ao da Defensoria.
Na ponta do lápis o Paraná também concentra o título de menor orçamento da Defensoria por habitante, cerca de R$ 5,73, segundo a Pesquisa Nacional de Defensoria Pública 2021.
Mesmo o argumento de que a Defensoria do Paraná é um órgão novo, com apenas dez anos, o orçamento por habitante das defensorias instituídas após a do Paraná é superior ao do estado paranaense: Santa Catarina (criada em 2012) reserva R$10,37 para cada habitante; já o Amapá (regulamentada em 2014) assegura um orçamento de R$ 22,07 por habitante do estado.
“Os números não são apenas números, são opções políticas do estado. Precisamos um valor que seja compatível com as necessidades que a defensoria tem de atendimento. O orçamento público no Paraná e extremamente irrisório frente não só as demais instituições que fazem parte do rol das defesas e processo judiciário, mas também frente a outras despesas feitas pelo governo do estado, como publicidade,” destaca o deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alep, Tadeu Veneri (PT). “Nós ficamos apenas com um simulacro do que deveria ser um espaço e estrutura na defesa dos direitos”, complementa ele.
Cobertura
A equação de um baixo orçamento somado à uma equipe insuficiente tem resultado, conjuntamente com outros fatores, à uma cobertura insuficiente das comarcas do estado. Dos 399 municípios do Paraná apenas 60 recebem atendimento direto de alguma unidade da Defensoria Pública do Paraná, ainda que a Emenda Constitucional 80/ 2014 tenha estabelecido o prazo de 2022 como ano limite para que todas as unidades jurisdicionais deveriam contar com atendimento da Defensoria Pública.
Municípios rurais, com baixo índice de desenvolvimento e áreas de mais difícil, como locais onde residem povos tradicionais, o acesso à justiça gratuita tem sido afetado, como destaca a advogada popular quilombola e integrante da Rede de Mulheres Negras do Paraná, Celia da Silva Leonardo. “Povos tradicionais ficam à mercê da zona urbana. E a Defensoria é muito centrada na capital. Quando estes povos precisam da defensoria é necessário se deslocar. Uma pessoa da minha comunidade, na Lapa, precisa se deslocar até a capital. Isso afeta o acesso e até mesmo entendimento do que é a Defensoria Pública”, destaca.
“O não acesso à justiça gera um trabalho estrangulado aos 6 núcleos da Defensoria do Paraná. Em todas comarcas tem representante da Secretaria de Segurança Pública para apontar o crime, algum representante do Ministério Público para que faça a avaliação penal e denúncia criminal, mas não há alguém que faça a defesa do cidadão perante toda a estrutura do estado”, destaca o presidente do Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná, Marcel Jeronymo Lima Oliveira.
Impactos do não atendimento
Com um conjunto de fragilidades, parte da população encontra significativos obstáculos para o acesso à justiça já na porta de entrada ao órgão. “Grande parte das reclamações que recebemos é referente ao não acesso. Pessoas que não conseguem receber nem ao menos um primeiro atendimento da Defensoria”, destaca a ouvidora externa da Defensoria Pública do Paraná, Karollyne Nascimento.
Um efeito imediato deste não acesso à Defensoria é que parte da população mais vulnerável, sem condições para recorrer à advocacia privada, deixa de acionar a justiça diante de um contexto de violação de direitos. Com isso, em efeito cascata, os demais direitos – além do direito à justiça – seguem sendo violados e não são reparados pelo Estado. “A defensoria e o acesso à justiça é um pilar da democracia. Se a gente não tem acesso à justiça não tem acesso aos direitos. Estamos falando de uma população paranaense que hoje não tem atendimento, em várias cidades do interior, áreas rurais, que não contam com atendimento geral”, sublinha a assessora jurídica popular da Terra de Direitos e representante da Campanha na audiência, Daisy Ribeiro
Reivindicações
Como reivindicação as e os participantes da audiência solicitaram a criação de um grupo de trabalho para construção de um plano de ampliação da DPE, com Governo do Estado, Casa Civil, Secretaria de Justiça, Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da ALEP e Campanha “Mais Defensoria, Mais Direitos. O grupo deve incorporar ao plano estratégias, ações, responsáveis, recursos financeiros; prazos, indicadores para a ampliação do órgão. Foi solicitado também uma audiência formal com o Secretário de Estado da Casa Civil do Governo do Estado do Paraná e a utilização do grande expediente para a fala de representante da Campanha “Mais Defensoria, Mais Direitos” para apresentação de dados e necessidades da Defensoria Pública do Estado.
Veja carta produzida pela Campanha encaminhada às autoridades do estado